sexta-feira, 8 de março de 2013

MULHER DEPENDENTE QUÍMICA E AS DIFICULDADES DA RECUPERAÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL: Aspectos Culturais.



Rio de Janeiro, Setembro de 2013.

Pr. Décio Antônio, ThD
Teólogo, Jurista, Psicanalista.

Introdução

            Vivemos em uma sociedade que enfrenta problemas em muitas áreas. O Rio de Janeiro (e alguns estados brasileiros) tem suas virtudes e dificuldades peculiares estampadas em sua capital, dando-lhes o status de Cidade Maravilhosa bem como de Cidade Violenta. Esta projeção mundial é caracterizada pela beleza natural de suas montanhas, florestas e praias; como também pelos altos índices de homicídios, guerra do tráfico de drogas, etc.

            Dentro desta problemática, configura-se um fenômeno social que tem atravessado as fronteiras internacionais e causado muitos transtornos: A Dependência Química (crack, cocaína, maconha, álcool, etc.). Este assunto tem sido debatido em todo mundo com o objetivo de se buscar uma possível solução para o problema da dependência química, que tem afetado pessoas de todos os níveis sociais: ricos e pobres, cultos e ignorantes, homens e mulheres, etc.

            Chamam-nos atenção os esforços empreendidos na recuperação dessas pessoas. Sobretudo, das massas desfavorecidas que dependem dos programas governamentais e da iniciativa privada (ONGs, igrejas, etc.). O sucesso, infelizmente, de tal somatório de força para recuperação dos dependentes químicos, ainda não alcançou seu objetivo desejado. Basta olharmos para algumas regiões do Rio de Janeiro e cidades vizinhas para se constatar esta triste realidade.

            Quando se trata de mulher dependente química a situação ainda é mais grave. Se os nossos programas sociais, governamental ou privado, não têm logrado êxito na recuperação dos dependentes químicos – homens, muito menos têm sido eficientes com as mulheres. Cada vez mais nos deparamos com este desafio – a recuperação e reinserção da mulher dependente química na sociedade.

            Uma vez deparado com esta realidade, nos propomos discorrer brevemente sobre as questões que envolvem as dificuldades femininas em tal reinserção, abordando mais especificamente os aspectos culturais. Evidentemente, não temos a pretensão de nos aprofundarmos no assunto, ainda que seja um tema instigante. Buscaremos apenas um discurso de reflexão sobre uma matéria que merece ser tratada mais amplamente, dada sua importância e complexidade.


Mulher: Uma Guerreira em Terra de Homens

É de conhecimento público que a mulher no decorrer dos séculos e milênios tem sofrido muitas discriminações. Praticamente, em todas as culturas e civilizações a mulher ocupou uma posição muito inferior ao homem, sendo vista tão-somente como objeto serviçal, de prazer e de procriação.

Recentemente, há poucas décadas, o movimento feminista tem se levantado para protestar contra essas discriminações e reivindicar igualdade de direitos. Esta trajetória de lutas tem sortido efeitos positivos em todo o Globo, principalmente no Mundo Ocidental. Hoje as mulheres desfrutam de muitos direitos, como nunca ocorreu na História. No entanto, cabe ressaltar que todo este progresso feminino tem lhe custado um alto preço, pois além da maternidade e dos serviços domésticos, a mulher tem incorporado a sua agenda muitas outras atividades e hábitos, que tem contribuído para a ocorrência de doenças físicas e emocionais que antes era mais comum em homens.

O fato é que mudanças culturais não se dão da noite para o dia. Leva-se muito tempo para mudar a forma das pessoas pensar e interpretar o mundo a sua volta. Mesmo a existência de leis protecionistas – como a Lei Maria da Penha – é insuficiente para mudar a cultura de muitos homens violentos com suas esposas. Até mesmo, infelizmente, muitas mulheres se conformam em serem espancadas e não recorrem a seus direitos mais básicos de integridade física. E isto ocorre não por desconhecerem que há Lei Específica e Delegacia Especializada em defendê-las. E o que dizer das cidades do interior? A situação fica ainda mais delicada... Séculos e milênios de cultura não se dissolve facilmente... Nem mesmo em quem seria mais beneficiada por tal mudança: na mulher.

Como todo progresso tem seu custo: vantagens e desvantagens, bônus e ônus, benefícios e malefícios, acertos e erros, o movimento feminista não é exceção à regra. Juntamente com inúmeros benefícios merecidos à mulher, a revolução em tela trouxe também condições favoráveis para aquisição e massificação de novos hábitos comportamentais, antes predominantes na classe masculina, culminando no tabagismo, no alcoolismo e na dependência química de outras drogas mais pesadas. Assim, a mulher do século XXI, não obstante muitas conquistas, enfrenta uma dificuldade comum pertinente a sua época: a dependência química.

Homens e mulheres, igualmente, tem sido alvo da atenção do poder público e da iniciativa privada no combate à dependência química. A camada feminina, por sua vez, se depara com problemas, de toda natureza, para se recuperar e reinserir-se na sociedade, em proporções muito maiores que a classe masculina. Uma dessas dificuldades reside no aspecto cultural. E isto, tanto na concepção masculina quanto na feminina. É algo que ainda está entranhado nas pessoas, de ambos os sexos. Por isso, a recuperação e a reinserção social tornam-se um desafio, pois não é somente os homens que estão contaminados pela discriminação – o que já seria muito negativo –, mas as próprias mulheres sofrem deste mal, principalmente nas regiões sociais menos favorecidas (alvo maior de nossa reflexão).

O dependente químico, homem ou mulher, além dos prejuízos causados a sua saúde física, emocional e espiritual, tende a uma mudança de comportamento provocado pelo consumo das drogas: álcool, maconha, cocaína, crack, etc. Via de regra, dependendo da espécie e da quantidade, a droga atua proporcionando alguma sensação de prazer: fortes emoções, desejos sexuais exacerbados, delírios, alucinações, etc., tirando o usuário da realidade e levando-o a uma dimensão satisfatoriamente ilusória. Muitos são os motivos que contribuem para desencadear o interesse pelo uso das drogas. Entretanto, uma vez iniciado, muitos não conseguem mais parar, haja vista os prazeres e fuga da realidade proporcionados pelas drogas. E neste afã, o desdobramento será sem dúvida a dependência química, uma vez que se trata de substâncias que causam dependência orgânica e psíquica.

A modificação de procedimentos, isto é, de caráter, moral, valores e princípios, é só uma questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde, começará a se manifestar na vida do dependente químico tipos de conduta que se tornará evidente aos seus entes queridos e amigos, que se conscientizarão da necessidade urgente de um tratamento. Antes de uma intervenção (do poder publico ou da iniciativa privada) que possa reverter significantemente o quadro doentio do dependente químico (homem ou mulher), as consequências das novas posturas decorrentes das drogas poderão ensejar desde pequenos furtos a familiares até a entrega ao abandono total pelas ruas.

Na medida em que o tempo passa, sem qualquer tipo de tratamento, mais propício fica o ambiente para o (a) dependente tender a usar quantidades maiores da droga iniciada, e a experimentar outros tipos de drogas consideradas mais fortes. Deste modo, a situação da pessoa neste contexto vai ficando cada vez mais dramática, e os hábitos comportamentais, por conseguinte, vai assumindo posturas degradantes mais profundas, tais como: perda de emprego, separação conjugal, abandono dos filhos e família, furto, roubo, brigas, surras, relação sexual sem limites, infidelidades de todos os gêneros, prostituição, gravidez indesejada, etc.

É oportuno salientar que a maioria das pessoas que cometem tais atos não os faria se não estivessem dominadas pelas drogas. Além da ilusão dos efeitos prazerosos que as drogas podem proporcionar, elas também funcionam cortando a censura ou consciência crítica de suas vítimas. Portanto, as atitudes bizarras e insensatas que uma pessoa nunca cometeria em condições normais, são perfeitamente e naturalmente assumidas por um dependente químico, seja homem ou mulher, visto que o amortecimento de sua censura ou consciência crítica a deixa inoperante.

Em tal quadro de desolação humana, muitos dependentes químicos pedem ou procuram ajuda. Veem que por si só é simplesmente impossível saírem de tal escravidão. O trabalho, então, de recuperação e reinserção social é começado. Ali se encontra um ser humano com todo o peso da vergonha, culpa, arrependimento, medo, etc., que se possa imaginar. Sua autoestima é a pior possível, pelas lembranças de atitudes reprováveis, perdas ou qualquer outra sequela de seu passado trágico. Somado a tudo isso, não obstante as desventuras manifestadas, ainda há a dependência orgânica e psíquica que grita ferozmente por uma dose, deixando a pessoa em tratamento com tremores físicos, calafrios, agitação, irritabilidade, ansiedade, insônia, taquicardia, e outros sintomas, aumentando o desespero do paciente que muitas vezes chega a pensar que nunca conseguirá se libertar desta miséria humana.

Neste cenário caótico, até mesmo os homens que gozam de maior prestígio cultural, em que se apregoa ser o sexo mais forte, se veem arrasados, conscientes que a recuperação e reinserção social demandarão muita força de vontade e determinação. E isto para falar dos otimistas. Para a nossa tristeza, muitos são os homens que recaem após o tratamento e se conformam com a dependência química, pois não acreditam que poderão conseguir a superação.

Se para os homens dependentes químicos a recuperação e a reinserção social é uma tarefa muito difícil, chegando mesmo a ser considerado impossível para muitos, o que dizer então das mulheres? Inseridas em uma cultura extremamente desfavorável, como já foi visto, as mulheres vítimas das drogas precisam de um tratamento especial que as ajudem na restauração pessoal e social.

Sem entrar em outras mazelas resultantes da dependência química, o relacionamento sexual com vários parceiros é um bom exemplo analítico para se comparar o tratamento cultural deferido ao homem e à mulher envolvidos em tal questão. O homem, ainda que seja casado, que tem uma vida sexual ativa com várias mulheres é considerado, culturalmente, um “garanhão”, “pegador”, etc., ou seja, ele é visto por muitos ou pela maioria (felizmente há exceção) como uma pessoa benquista. No entanto, a mulher será grandemente depreciada por tais atitudes, sendo nomeada, entre outros nomes pejorativos, de “prostituta”. Que homem gostaria, por exemplo, de se casar com uma mulher que é conhecida na região como sendo alguém que teve relação sexual com vários homens? A desonra pública atribuída pela cultura impõe uma imagem muito negativa a mulheres com tal perfil, deixando-as estigmatizadas.

Ainda nesta linha, é imprescindível destacar que a mulher dependente química, muitas vezes, vende o seu próprio corpo exclusivamente para adquirir drogas, principalmente a viciada em crack, agravando ainda mais sua reputação social. Como se não bastasse, muitas vezes, surge a gravidez como fruto de todas essas práticas sexuais, o que não ocorre, evidentemente, em hipótese alguma, com o homem.

Somente nesta seara do relacionamento sexual, pode ser visto claramente que a mulher dependente química vai se deparar com conflitos e traumas ditados pela cultura que intensificará drasticamente as dificuldades para sua recuperação e reinserção social. O homem, por outro lado, pelo menos no aspecto cultural da sexualidade, poderá sair ileso, embora esteja na mesma conjuntura.

Penso ser desnecessário abordar outras facetas, alistadas acima, das implicações das drogas. A mulher terá as mesmas dificuldades em relação ao homem, só que muito mais agravadas. Sua restauração pessoal e social será muito mais trabalhosa que a do homem, em todas as áreas, inclusive no aspecto cultural.

Destarte, precisamos de políticas públicas e de programas sociais (governamental ou privado) mais conscientes, visando às reais necessidades da mulher dependente química. Não se pode ter um programa social uniforme para homens e mulheres. A realidade da mulher é outra. Faz-se necessário, portanto, projetos de recuperação e reinserção sociais contextualizados para as demandas singulares da mulher dependente química.


CONCLUSÃO

            Depois do breve comentário acima exposto, concluímos que seria salutar fecharmos esta reflexão sugerindo algumas mudanças no sistema de tratamento que vem sendo adotado em Casas de Recuperação para Dependentes Químicos. Entre outras posturas que poderiam ser modificadas para atender as necessidades peculiares da mulher dependente química, destacamos duas questões que julgamos ser de extrema relevância para ser apreciada, as quais são:

Ø  Casa de Recuperação mista para homens e mulheres.
Ø  Menor proporção de Casas de Recuperação só para mulheres em relação à existência de Casas de Recuperação só para homens.

Casa de Recuperação mista para homens e mulheres.

            Ainda que saibamos das boas intenções dos coordenadores e responsáveis por tais Casas, não podemos deixar sem registro o fato de haver um baixíssimo índice de recuperação; tanto para homens como para mulheres. E o motivo é simples: envolvimento sentimental ou sexual dos dependentes químicos. Sem entrar na esfera da homossexualidade, é notório a todos que os sexos opostos se atraem; faz parte da natureza biológica, psicológica, ou instintiva das espécies. Se esta atração sentimental ou sexual do homem para mulher, ou vice-versa, é algo natural ao ser humano em condições normais, o que dizer do dependente químico? Visto que estamos falando de pessoas que tiveram, em decorrência das drogas, uma vida sexual lasciva e promíscua, não é de admirar que as mesmas facilmente se vejam em tais relacionamentos repetitivos do passado, inclusive com as drogas, embora estejam em uma Casa de Recuperação.

            Faz-se necessário, portanto, Casa de Recuperação somente para homens e Casa de Recuperação somente para mulheres. É óbvio que tal medida não garante que não haverá problemas na seara da sexualidade, haja vista a crescente adesão ao homossexualismo, mas, com certeza, as probabilidades de sucesso na recuperação e reinserção social, tanto para homens como para mulheres, são indiscutíveis.
Menor proporção de Casas de Recuperação só para mulheres em relação à existência de Casas de Recuperação só para homens.
            Outro ponto que merece destaque é a pequena quantidade existente de Casas de Recuperação só para mulheres em relação aos homens. Aqui também fica patente que a cultura machista dominante tem prevalecido. Qualquer pessoa que trabalhe com dependência química sabe ser difícil encontrar tal casa feminina. Sem sombras de dúvida, é muito mais fácil encontrar casa masculina. Por que será? Alguém poderá dizer: “há mais homens na dependência química do que mulheres, por isso a desproporção”. Seria uma boa resposta para tempos remotos, onde se via claramente a predominância masculina na dependência química. Para nossa época, tal resposta é anacrônica. 

            Como já foi visto, cada vez mais nos deparamos com mulheres envolvidas na dependência química. Há várias regiões da Cidade conhecidas como “crackolândia”, dentro e fora das comunidades carentes. E para nosso espanto, muitas vezes, a quantidade de mulheres é equivalente ou superior à quantidade de homens. Não sabemos ao certo as estatísticas de outras grandes Cidades do Brasil, entretanto no Rio de Janeiro e cidades vizinhas esses dados estão explícitos nas Avenidas e nas Comunidades.

O depoimento de um paulista, dependente químico em tratamento em uma determinada Casa de Recuperação no Rio de Janeiro, pode contribuir para ampliar nossa visão. O mesmo relatou que na Cidade de São Paulo, de onde viera, não havia tantas mulheres usuárias de drogas como no Rio de Janeiro. Disse ainda que já havia passado pela Casa. Segundo ele, seu retorno se deu por não conseguir resistir o assédio das mulheres também usuárias; por isso, estava de volta. Falou ter grandes dificuldades em resistir às drogas fora Casa em decorrência da grande quantidade de mulheres também usuárias, fato que, de acordo com seu testemunho, é quase inexistente em São Paulo.

Depois das considerações feitas, chegamos ao entendimento que o número existente de Casas de Recuperação só para mulheres está muito aquém das reais necessidades das mesmas. A demanda é muito maior que o sistema impregnado pela cultura machista imagina. Precisamos, portanto, de uma quantidade, no mínimo, equivalente de Casas só para mulheres tal como há para homens. Concluímos também que Casas de Recuperação mistas para homens e mulheres é um empreendimento ineficaz.

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