Rio de Janeiro, Setembro de 2013.
Pr. Décio
Antônio, ThD
Teólogo, Jurista, Psicanalista.
Introdução
Vivemos em uma
sociedade que enfrenta problemas em muitas áreas. O Rio de Janeiro (e alguns
estados brasileiros) tem suas virtudes e dificuldades peculiares estampadas em
sua capital, dando-lhes o status de Cidade Maravilhosa bem como de Cidade
Violenta. Esta projeção mundial é caracterizada pela beleza natural de suas
montanhas, florestas e praias; como também pelos altos índices de homicídios,
guerra do tráfico de drogas, etc.
Dentro
desta problemática, configura-se um fenômeno social que tem atravessado as
fronteiras internacionais e causado muitos transtornos: A Dependência Química
(crack, cocaína, maconha, álcool, etc.). Este assunto tem sido debatido em todo
mundo com o objetivo de se buscar uma possível solução para o problema da
dependência química, que tem afetado pessoas de todos os níveis sociais: ricos
e pobres, cultos e ignorantes, homens e mulheres, etc.
Chamam-nos
atenção os esforços empreendidos na recuperação dessas pessoas. Sobretudo, das
massas desfavorecidas que dependem dos programas governamentais e da iniciativa
privada (ONGs, igrejas, etc.). O sucesso, infelizmente, de tal somatório de
força para recuperação dos dependentes químicos, ainda não alcançou seu
objetivo desejado. Basta olharmos para algumas regiões do Rio de Janeiro e
cidades vizinhas para se constatar esta triste realidade.
Quando
se trata de mulher dependente química a situação ainda é mais grave. Se os
nossos programas sociais, governamental ou privado, não têm logrado êxito na
recuperação dos dependentes químicos – homens, muito menos têm sido eficientes
com as mulheres. Cada vez mais nos deparamos com este desafio – a recuperação e
reinserção da mulher dependente química na sociedade.
Uma
vez deparado com esta realidade, nos propomos discorrer brevemente sobre as
questões que envolvem as dificuldades femininas em tal reinserção, abordando
mais especificamente os aspectos culturais. Evidentemente, não temos a
pretensão de nos aprofundarmos no assunto, ainda que seja um tema instigante.
Buscaremos apenas um discurso de reflexão sobre uma matéria que merece ser
tratada mais amplamente, dada sua importância e complexidade.
Mulher: Uma Guerreira em Terra de Homens
É de
conhecimento público que a mulher no decorrer dos séculos e milênios tem
sofrido muitas discriminações. Praticamente, em todas as culturas e
civilizações a mulher ocupou uma posição muito inferior ao homem, sendo vista
tão-somente como objeto serviçal, de prazer e de procriação.
Recentemente,
há poucas décadas, o movimento feminista tem se levantado para protestar contra
essas discriminações e reivindicar igualdade de direitos. Esta trajetória de
lutas tem sortido efeitos positivos em todo o Globo, principalmente no Mundo
Ocidental. Hoje as mulheres desfrutam de muitos direitos, como nunca ocorreu na
História. No entanto, cabe ressaltar que todo este progresso feminino tem lhe
custado um alto preço, pois além da maternidade e dos serviços domésticos, a
mulher tem incorporado a sua agenda muitas outras atividades e hábitos, que tem
contribuído para a ocorrência de doenças físicas e emocionais que antes era mais
comum em homens.
O fato é que
mudanças culturais não se dão da noite para o dia. Leva-se muito tempo para
mudar a forma das pessoas pensar e interpretar o mundo a sua volta. Mesmo a
existência de leis protecionistas – como a Lei Maria da Penha – é insuficiente
para mudar a cultura de muitos homens violentos com suas esposas. Até mesmo,
infelizmente, muitas mulheres se conformam em serem espancadas e não recorrem a
seus direitos mais básicos de integridade física. E isto ocorre não por
desconhecerem que há Lei Específica e Delegacia Especializada em defendê-las. E o
que dizer das cidades do interior? A situação fica ainda mais delicada...
Séculos e milênios de cultura não se dissolve facilmente... Nem mesmo em quem
seria mais beneficiada por tal mudança: na mulher.
Como todo
progresso tem seu custo: vantagens e desvantagens, bônus e ônus, benefícios e
malefícios, acertos e erros, o movimento feminista não é exceção à regra.
Juntamente com inúmeros benefícios merecidos à mulher, a revolução em tela
trouxe também condições favoráveis para aquisição e massificação de novos
hábitos comportamentais, antes predominantes na classe masculina, culminando no
tabagismo, no alcoolismo e na dependência química de outras drogas mais
pesadas. Assim, a mulher do século XXI, não obstante muitas conquistas,
enfrenta uma dificuldade comum pertinente a sua época: a dependência química.
Homens e
mulheres, igualmente, tem sido alvo da atenção do poder público e da iniciativa
privada no combate à dependência química. A camada feminina, por sua vez, se
depara com problemas, de toda natureza, para se recuperar e reinserir-se na
sociedade, em proporções muito maiores que a classe masculina. Uma dessas
dificuldades reside no aspecto cultural. E isto, tanto na concepção masculina
quanto na feminina. É algo que ainda está entranhado nas pessoas, de ambos os
sexos. Por isso, a recuperação e a reinserção social tornam-se um desafio, pois
não é somente os homens que estão contaminados pela discriminação – o que já
seria muito negativo –, mas as próprias mulheres sofrem deste mal,
principalmente nas regiões sociais menos favorecidas (alvo maior de nossa
reflexão).
O dependente
químico, homem ou mulher, além dos prejuízos causados a sua saúde física,
emocional e espiritual, tende a uma mudança de comportamento provocado pelo
consumo das drogas: álcool, maconha, cocaína, crack, etc. Via de regra,
dependendo da espécie e da quantidade, a droga atua proporcionando alguma
sensação de prazer: fortes emoções, desejos sexuais exacerbados, delírios, alucinações,
etc., tirando o usuário da realidade e levando-o a uma dimensão
satisfatoriamente ilusória. Muitos são os motivos que contribuem para
desencadear o interesse pelo uso das drogas. Entretanto, uma vez iniciado,
muitos não conseguem mais parar, haja vista os prazeres e fuga da realidade
proporcionados pelas drogas. E neste afã, o desdobramento será sem dúvida a
dependência química, uma vez que se trata de substâncias que causam dependência
orgânica e psíquica.
A modificação
de procedimentos, isto é, de caráter, moral, valores e princípios, é só uma
questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde, começará a se manifestar na vida do
dependente químico tipos de conduta que se tornará evidente aos seus entes
queridos e amigos, que se conscientizarão da necessidade urgente de um
tratamento. Antes de uma intervenção (do poder publico ou da iniciativa
privada) que possa reverter significantemente o quadro doentio do dependente
químico (homem ou mulher), as consequências das novas posturas decorrentes das
drogas poderão ensejar desde pequenos furtos a familiares até a entrega ao
abandono total pelas ruas.
Na medida em
que o tempo passa, sem qualquer tipo de tratamento, mais propício fica o
ambiente para o (a) dependente tender a usar quantidades maiores da droga iniciada,
e a experimentar outros tipos de drogas consideradas mais fortes. Deste modo, a
situação da pessoa neste contexto vai ficando cada vez mais dramática, e os
hábitos comportamentais, por conseguinte, vai assumindo posturas degradantes
mais profundas, tais como: perda de emprego, separação conjugal, abandono dos
filhos e família, furto, roubo, brigas, surras, relação sexual sem limites,
infidelidades de todos os gêneros, prostituição, gravidez indesejada, etc.
É oportuno
salientar que a maioria das pessoas que cometem tais atos não os faria se não
estivessem dominadas pelas drogas. Além da ilusão dos efeitos prazerosos que as
drogas podem proporcionar, elas também funcionam cortando a censura ou
consciência crítica de suas vítimas. Portanto, as atitudes bizarras e
insensatas que uma pessoa nunca cometeria em condições normais, são
perfeitamente e naturalmente assumidas por um dependente químico, seja homem ou
mulher, visto que o amortecimento de sua censura ou consciência crítica a deixa
inoperante.
Em tal quadro
de desolação humana, muitos dependentes químicos pedem ou procuram ajuda. Veem
que por si só é simplesmente impossível saírem de tal escravidão. O trabalho,
então, de recuperação e reinserção social é começado. Ali se encontra um ser
humano com todo o peso da vergonha, culpa, arrependimento, medo, etc., que se
possa imaginar. Sua autoestima é a pior possível, pelas lembranças de atitudes
reprováveis, perdas ou qualquer outra sequela de seu passado trágico. Somado a
tudo isso, não obstante as desventuras manifestadas, ainda há a dependência
orgânica e psíquica que grita ferozmente por uma dose, deixando a pessoa em
tratamento com tremores físicos, calafrios, agitação, irritabilidade,
ansiedade, insônia, taquicardia, e outros sintomas, aumentando o desespero do
paciente que muitas vezes chega a pensar que nunca conseguirá se libertar desta
miséria humana.
Neste cenário
caótico, até mesmo os homens que gozam de maior prestígio cultural, em que se
apregoa ser o sexo mais forte, se veem arrasados, conscientes que a recuperação
e reinserção social demandarão muita força de vontade e determinação. E isto
para falar dos otimistas. Para a nossa tristeza, muitos são os homens que
recaem após o tratamento e se conformam com a dependência química, pois não
acreditam que poderão conseguir a superação.
Se para os
homens dependentes químicos a recuperação e a reinserção social é uma tarefa
muito difícil, chegando mesmo a ser considerado impossível para muitos, o que
dizer então das mulheres? Inseridas em uma cultura extremamente desfavorável,
como já foi visto, as mulheres vítimas das drogas precisam de um tratamento
especial que as ajudem na restauração pessoal e social.
Sem entrar em
outras mazelas resultantes da dependência química, o relacionamento sexual com
vários parceiros é um bom exemplo analítico para se comparar o tratamento
cultural deferido ao homem e à mulher envolvidos em tal questão. O homem, ainda
que seja casado, que tem uma vida sexual ativa com várias mulheres é
considerado, culturalmente, um “garanhão”, “pegador”, etc., ou seja, ele é
visto por muitos ou pela maioria (felizmente há exceção) como uma pessoa
benquista. No entanto, a mulher será grandemente depreciada por tais atitudes,
sendo nomeada, entre outros nomes pejorativos, de “prostituta”. Que homem
gostaria, por exemplo, de se casar com uma mulher que é conhecida na região
como sendo alguém que teve relação sexual com vários homens? A desonra pública
atribuída pela cultura impõe uma imagem muito negativa a mulheres com tal
perfil, deixando-as estigmatizadas.
Ainda nesta
linha, é imprescindível destacar que a mulher dependente química, muitas vezes,
vende o seu próprio corpo exclusivamente para adquirir drogas, principalmente a
viciada em crack, agravando ainda mais sua reputação social. Como se não
bastasse, muitas vezes, surge a gravidez como fruto de todas essas práticas
sexuais, o que não ocorre, evidentemente, em hipótese alguma, com o homem.
Somente nesta
seara do relacionamento sexual, pode ser visto claramente que a mulher
dependente química vai se deparar com conflitos e traumas ditados pela cultura
que intensificará drasticamente as dificuldades para sua recuperação e
reinserção social. O homem, por outro lado, pelo menos no aspecto cultural da
sexualidade, poderá sair ileso, embora esteja na mesma conjuntura.
Penso ser
desnecessário abordar outras facetas, alistadas acima, das implicações das
drogas. A mulher terá as mesmas dificuldades em relação ao homem, só que muito
mais agravadas. Sua restauração pessoal e social será muito mais trabalhosa que
a do homem, em todas as áreas, inclusive no aspecto cultural.
Destarte,
precisamos de políticas públicas e de programas sociais (governamental ou
privado) mais conscientes, visando às reais necessidades da mulher dependente
química. Não se pode ter um programa social uniforme para homens e mulheres. A
realidade da mulher é outra. Faz-se necessário, portanto, projetos de
recuperação e reinserção sociais contextualizados para as demandas singulares
da mulher dependente química.
CONCLUSÃO
Depois
do breve comentário acima exposto, concluímos que seria salutar fecharmos esta
reflexão sugerindo algumas mudanças no sistema de tratamento que vem sendo
adotado em Casas de Recuperação para Dependentes Químicos. Entre outras
posturas que poderiam ser modificadas para atender as necessidades peculiares
da mulher dependente química, destacamos duas questões que julgamos ser de
extrema relevância para ser apreciada, as quais são:
Ø Casa
de Recuperação mista para homens e mulheres.
Ø Menor
proporção de Casas de Recuperação só para mulheres em relação à existência de Casas
de Recuperação só para homens.
Casa de Recuperação mista para homens e mulheres.
Ainda
que saibamos das boas intenções dos coordenadores e responsáveis por tais
Casas, não podemos deixar sem registro o fato de haver um baixíssimo índice de
recuperação; tanto para homens como para mulheres. E o motivo é simples:
envolvimento sentimental ou sexual dos dependentes químicos. Sem entrar na
esfera da homossexualidade, é notório a todos que os sexos opostos se atraem;
faz parte da natureza biológica, psicológica, ou instintiva das espécies. Se
esta atração sentimental ou sexual do homem para mulher, ou vice-versa, é algo
natural ao ser humano em condições normais, o que dizer do dependente químico? Visto
que estamos falando de pessoas que tiveram, em decorrência das drogas, uma vida
sexual lasciva e promíscua, não é de admirar que as mesmas facilmente se vejam
em tais relacionamentos repetitivos do passado, inclusive com as drogas, embora
estejam em uma Casa de Recuperação.
Faz-se
necessário, portanto, Casa de Recuperação somente para homens e Casa de
Recuperação somente para mulheres. É óbvio que tal medida não garante que não
haverá problemas na seara da sexualidade, haja vista a crescente adesão ao
homossexualismo, mas, com certeza, as probabilidades de sucesso na recuperação
e reinserção social, tanto para homens como para mulheres, são indiscutíveis.
Menor proporção de Casas de Recuperação só
para mulheres em relação à existência de Casas de Recuperação só para homens.
Outro
ponto que merece destaque é a pequena quantidade existente de Casas de
Recuperação só para mulheres em relação aos homens. Aqui também fica patente
que a cultura machista dominante tem prevalecido. Qualquer pessoa que trabalhe
com dependência química sabe ser difícil encontrar tal casa feminina. Sem
sombras de dúvida, é muito mais fácil encontrar casa masculina. Por que será?
Alguém poderá dizer: “há mais homens na dependência química do que mulheres,
por isso a desproporção”. Seria uma boa resposta para tempos remotos, onde se
via claramente a predominância masculina na dependência química. Para nossa
época, tal resposta é anacrônica.
Como
já foi visto, cada vez mais nos deparamos com mulheres envolvidas na
dependência química. Há várias regiões da Cidade conhecidas como
“crackolândia”, dentro e fora das comunidades carentes. E para nosso espanto,
muitas vezes, a quantidade de mulheres é equivalente ou superior à quantidade
de homens. Não sabemos ao certo as estatísticas de outras grandes Cidades do
Brasil, entretanto no Rio de Janeiro e cidades vizinhas esses dados estão
explícitos nas Avenidas e nas Comunidades.
O depoimento
de um paulista, dependente químico em tratamento em uma determinada Casa de
Recuperação no Rio de Janeiro, pode contribuir para ampliar nossa visão. O
mesmo relatou que na Cidade de São Paulo, de onde viera, não havia tantas
mulheres usuárias de drogas como no Rio de Janeiro. Disse ainda que já havia
passado pela Casa. Segundo ele, seu retorno se deu por não conseguir resistir o
assédio das mulheres também usuárias; por isso, estava de volta. Falou ter
grandes dificuldades em resistir às drogas fora Casa em decorrência da grande
quantidade de mulheres também usuárias, fato que, de acordo com seu testemunho,
é quase inexistente em São Paulo.
Depois das
considerações feitas, chegamos ao entendimento que o número existente de Casas
de Recuperação só para mulheres está muito aquém das reais necessidades das
mesmas. A demanda é muito maior que o sistema impregnado pela cultura machista
imagina. Precisamos, portanto, de uma quantidade, no mínimo, equivalente de
Casas só para mulheres tal como há para homens. Concluímos também que Casas de
Recuperação mistas para homens e mulheres é um empreendimento ineficaz.
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